‘As commodities são cada vez mais um setor de alta tecnologia’

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A predominância das commodities na pauta brasileira de exportações está longe de ser, por si só, uma fraqueza, afirma Edmund Amann, diretor da área de Economia da Universidade de Manchester. “O fato de o Brasil ser um país especializado em commodities não é ruim, não é uma rua sem saída”, sustenta ele, citando o exemplo de países como Austrália e Canadá, que apesar de grandes exportadores de matérias-primas, não enfrentam crise econômica no momento. 



O caminho trilhado pelos dois países foi o de agregar valor a produtos básicos, por meio de tecnologias que diferenciam esses produtos daqueles exportados por seus concorrentes. “ Um exemplo vem da área agropecuária: a preservação das frutas e legumes usando alta tecnologia na Holanda”, conta Amman, que esteve recentemente no Brasil, como parte de uma delegação da universidade inglesa, para analisar oportunidades conjuntas de pesquisa com a Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ).

Uma das críticas feitas frequentemente à economia brasileira diz respeito à falta de competitividade para concorrer nos mercados externos. Até que ponto esse problema afeta o país?  



Esse é um ponto fundamental, principalmente no longo prazo. Há um problema de produtividade desde os anos 80. E, apesar das reformas liberais e da abertura comercial, e de várias políticas do governo para promover a competitividade, a economia brasileira ainda tem esse problema estrutural. É um grande desafio para a economia, sobretudo hoje, por causa da queda nos preços das commodities. Então, é cada vez mais importante promover a competitividade nos setores industriais e de serviços, para conseguir novas oportunidades de o Brasil exportar para o mundo inteiro. Na minha avaliação, o tema da produtividade deve ser o alvo principal da política microeconômica do governo atual. Quando você analisa o sucesso no desempenho de economias asiáticas, incluindo a China, é possível observar o papel central da produtividade. 



Qual a importância dessas medidas microeconômicas?

São em termos de políticas para abrir mercados, para criação de empresas novas, para adoção de novas tecnologias. Isso é fundamental para o futuro. Os recursos, na área de infraestrutura, são grandes mas acho que o Brasil não tem noção no momento de que a competitividade é totalmente fundamental para a economia.

Como estabelecer um planejamento de longo prazo num país com tantas idas e vindas da economia? 

Em primeiro lugar, o Brasil sofreu um problema de desindustrialização, de perda de competitividade, capacidade tecnológica, em alguns setores. É importante destacar o papel dos setores que são inovadores, que têm a capacidade de melhorar o desempenho das exportações. Há alguns pontos fortes na indústria brasileira. O importante é tirar vantagem, capitalizar, nessas áreas, com políticas bem delineadas, com apoio político e financeiro. O problema é que é necessário muito tempo para conseguir (isso). São coisas estruturais, fundamentais. Não é possível resolver a situação em três, cinco anos. Vai levar décadas. É importante mudar a visão nacional de forma que a competitividade vire um alvo central na política econômica, com importância igual à política macroeconômica, inflação, desemprego. Sem prestar atenção à competitividade, será muito difícil para o Brasil conseguir evoluir no futuro.

Não é um momento delicado para falar em promoção da competitividade em meio ao ajuste fiscal que está sendo implementado pelo governo? 



É um grande desafio porque os recursos disponíveis no governo central e nos governos centrais para promover a competitividade nas empresas não existem na quantidade necessária. É uma questão de prioridade. Acho que é essencial manter o enfoque sobre a competitividade, apesar do fato que a conjuntura econômica é complicada. Se você analisar a experiência do Japão e da Alemanha, essas economias — apesar do fato de que tinham problemas macroeconômicos — apoiaram empresas-chave como BMW, Mercedes e Mitsubishi. Isso é um compromisso com o futuro para eles, um dos fatores-chave que explica como essas economias continuam a ser um sucesso.

Mas, na questão do estímulo à produtividade, é só o governo que tem de fazer “o dever de casa”? 



Não gostaria de dizer que a questão da produtividade é unicamente coisa do governo e que, se a política for boa, tudo vai funcionar. Não é isso. É importante também ter uma cultura de investimento em produtividade, em qualidade, dentro das próprias empresas. No fim das contas, o sucesso — na Alemanha, na Coreia do Sul e em vários países — está intimamente ligado à visão interna da empresa.

O futuro do país, pelo menos no médio prazo, estará ligado à evolução nos preços das commodities?

É importante observar que é possível adicionar valor dentro do setor de commodities. As commodities são cada vez mais um setor de alta tecnologia. Também é possível desenvolver tecnologia dentro de segmentos como o de petróleo, mineração, que você pode adaptar para outros setores. O Brasil tem uma base muito boa para a criação de um ecossistema que pode transferir tecnologias de um setor para outro. Esse país tem várias vantagens em termos de competitividade e tecnologia mas estão concentradas em alguns setores. É possível transferir alguns aspectos ou elementos de sucesso concentrados em determinadas empresas para outros setores. Como é o caso dos Estados Unidos, da Alemanha e da Inglaterra.

Pode citar exemplos de como a tecnologia pode acrescentar valor às commodities? 



Na área de siderurgia, obviamente ligada fortemente ao ferro. O processamento dessas commodities para adicionar valor utilizando tecnologia, criando espaços, nichos, no mercado. Outro exemplo vem da área agropecuária: a preservação das frutas e legumes usando alta tecnologia na Holanda. É uma história de sucesso numa área que aparentemente era de baixa tecnologia, a agricultura, a indústria mais antiga da humanidade. Em cima disso, o que você pode aproveitar é a aplicação das tecnologias e dos sistemas de gerenciamento que são muito dinâmicos. E estão gerando oportunidades de exportação de produtos com valor adicionado para criação de novos mercados, para criar a reputação da qualidade do produto, a chance de diferenciar produtos.

Vamos continuar a ser apenas um exportador de matérias-primas?

O fato de o Brasil ser um país especializado em commodities não é ruim, não é uma rua sem saída. Há possibilidade de usar as vantagens (competitivas do país). O Brasil deve fazer isso. A Austrália está fazendo isso. O Canadá, também. Ambas são economias com forte ênfase nas commodities. Atualmente, a Austrália, apesar do fato de ser um grande exportador de ferro, carvão, não é uma economia em crise. É o caso do Canadá, um grande produtor de legumes, trigo, ferro, ouro etc. O Canadá está conseguindo compensar em outros setores a queda nos preços das commodities. O setor das commodities também tem competitividade (no Canadá). O Brasil pode dar uma olhada nessas experiências para conhecer algumas estratégias na área (de commodities).

E o Brasil, pode servir de exemplo para outros países? Num trabalho seu, o sr. diz que o país tem lições que podem ser aproveitadas por países da África subsaariana… 



Sim, se entendermos quais políticas do Brasil podem ser adotadas na África. Na área de commodities, de exportação de produtos agropecuários, o Brasil já tem muito sucesso. Em termos da aplicação da tecnologia, da infraestrutura, do mercado… Se você examinar o caso das economias do Sul da África, ou em outros lugares do mundo em que a economia é um setor importante, é possível aprender muito com a experiência brasileira na área de políticas, de tecnologia e, também, com o sucesso das grandes empresas nos segmentos de alimentos e agricultura. A vantagem que o Brasil tem, além do tamanho do país, é o valor adicionado, a visão empresarial desse setor. São algumas coisas interessantes que, até certo ponto, podem ser transferidas para outros países no mundo. Por isso acho que o Brasil tem algumas experiências boas em algumas áreas especializadas. Acho que seria possível transferir essas experiências positivas não somente para o exterior mas também, em termos de organização, tecnologia, para outros setores no território nacional.

 

 

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