Se um indivíduo nascido homem se vê e é percebido como mulher, não há razão para lhe negar a designação de gênero feminino no registro de identidade. O argumento convenceu a maioria da 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que aceitou apelação de um transexual que teve negado o pedido para alterar o gênero de seu sexo para feminino só porque não se submeteu à cirurgia de transgenitalização. O juízo de origem só permitiu a alteração do nome no registro —ou seja, no documento constaria nome de mulher e sexo de homem.
No pedido de retificação de registro, o autor sustenta que, desde tenra idade, se ‘‘descobriu’’ como mulher, tanto que após os 18 anos fez várias cirurgias plásticas — redesenho do nariz, implantação de próteses nos seios, lipoaspiração, aplicação de silicone líquido nos quadris e glúteos. Além disso, usa cabelos compridos, fez depilação permanente e veste-se e comporta-se como mulher perante a sociedade.
A relatora do recurso, desembargadora Sandra Brisolara Medeiros, esclareceu que sexo é um aspecto físico-biológico, caracterizado pela presença de aparelho genital e de outras características que diferenciam os seres humanos entre machos e fêmeas. E que gênero refere-se ao aspecto psicossocial; ou seja, como o indivíduo se sente e se comporta frente aos padrões estabelecidos como femininos e masculinos a partir do substrato físico-biológico.
Segundo a relatora, a maioria dos indivíduos encontra correspondência entre a identidade física-biológica (sexo) e o comportamento social e sexual decorrentes da identidade biológica (gênero), assumindo um comportamento masculino ou feminino de acordo com a sua configuração física e genética. Contudo, outros, como os transexuais, não encontram essa correspondência entre sexo e gênero, vivendo em descompasso com o sexo biológico.
Por isso, disse, a identidade psicossocial prevalece sobre a biológica, não importando, para efeitos do registro civil, se a cirurgia de redesignação sexual (vaginoplastia) tenha sido feita ou não. ‘‘Ainda, se o nome e o sexo são atributos da personalidade e individualizam a pessoa, e, como tais, devem constar no registro civil, com seu efeito erga omnes [vale para todos], parece-me que não pode estar dissociado do modo como o indivíduo se vê e é visto socialmente, devendo a individualização jurídica acompanhar a individualização fática, sob pena de o apego à lei desviar-se da Justiça’’, concluiu no seu voto.
Verdade médica e verdade registral
O desembargador Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, que foi o voto vencido, negou a apelação por entender que o autor não é mulher, e o registro biológico deve espelhar a verdade biológica. Ele admite a troca de sexo, como exceção, quando provada a cirurgia de transgenitalização. Ou seja, quando há adequação de sua forma física ao gênero sexual a que pertence. ‘‘A definição do sexo é ato médico, e o registro civil de nascimento deve sempre espelhar a verdade, que é a biológica’’, repisou no voto.
‘‘Entendo que não é a vontade do recorrente de ser mulher nem o fato de se sentir mulher que o transforma em mulher. Pode parecer mulher, mas mulher ele não é. A dignidade pessoal e a respeitabilidade que o recorrente merece em nada fica diminuída pelo fato de não ser alterado o seu registro civil de nascimento. Essa respeitabilidade ficaria arranhada — assim como a credibilidade dos órgãos públicos — se exibindo registro de nascimento como mulher, ficar constatado que ele, na verdade, é homem’’, encerrou.
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