O endereço de Higienópolis continua nos receituários, mas o neurologista Luiz Fernando Pinheiro Franco hoje atende exclusivamente na Vila Olímpia, no consultório do filho, que também tem lhe passado os pacientes. Os seus, que assim como o médico dependiam da Unimed Paulistana, desapareceram.
"Eu tinha 20 consultas por dia e a última que fiz foi há uma semana", conta o neurologista, em frente aos diplomas do filho, onde se exaspera ante às mudanças recentes na vida profissional e pessoal. "Empregada doméstica demitida, jardineiro demitido, guarda demitido. Eu tinha uma viagem a trabalho para a Alemanha e tive de cancelar."
Após anos de dificuldades financeiras oficialmente reconhecidas pelo governo federal, a Unimed Paulistana foi obrigada em 2 de setembro a se desfazer de seus então cerca de 740 mil clientes pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
A transferência deles para outras operadoras, como é previsto na legislação para casos como esses, está longe de ser tranquila. A lei previa a venda da carteira, o que garantiria a manutenção das condições de preço e cobertura contratadas pelos beneficiários, mas a operação não foi bem sucedida. Quem pertencia ao plano coletivo com mais de 30 vidas recebeu propostas para migrar para outras Unimeds com preços até 80% superiores. Entre os demais, um processo de portabilidade que deveria acabar no final de outubro vai se estender até janeiro de 2016, pelo menos.
E, se a recolocação para os clientes tem sido turbulenta, para os cerca de 2,5 mil médicos da cooperativa ela nem sequer existe. Além de perderem o plano de saúde, eles ficaram sem os rendimentos mensais. Para boa parte, os únicos pois a Paulistana, conta Pinheiro Franco, estimulava os médicos a se dedicarem exclusivamente à operadora. Afinal, tratava-se de uma das maiores do segmento inserida num sistema de mais de 350 cooperativas com milhões de beneficiários.
"Dos 2,5 mil médicos, 1.200 dependiam exclusivamente da Paulistana. Viviam disso", diz Ângelo Vattimo, ex-conselheirio fiscal da Paulistana. "Muitos consultórios estão fechando, funcionários estão sendo demitidos."
Para Pinheiro Franco, a ANS deveria ter optado pela intervenção na companhia para tentar salvá-la, em vez de determinar a venda da carteira. Em nota, a agência alega que a medida não é possível, e que cumpriu os regimes estabelecidos na lei.
Associação
O fechamento do consultório de Higienópolis após 30 anos de operação, a perda dos 3 empregados domésticos, entretanto, são passado para o neurologista Pinheiro Franco. O que – também – o preocupa é o futuro da Unimed Paulistana.
Como em qualquer cooperativa, os integrantes da operadora dividem tanto os lucros, mas também são responsáveis pelas dívidas que superam o R$ 1 bilhão. Se a Paulistana não tiver ativos suficientes para arcar com a bolada – que pode ser maior –, a conta pode recair sobre os cooperados.
A lei prevê que cada cooperado arque, no máximo, com o valor de suas cotas, exceto para os diretores, que alguns juízes têm obrigado a assumir dívidas superiores a esse limite. No caso de processos trabalhistas, entretanto, mesmo o cooperado comum pode ter bens para além das cotas bloqueados, diz a presidente da Associação Brasileira de Direito Médico e da Saúde, Sandra Franco.
"[Na Justiça trabalhista] é bastante comum que os bens dos cooperados possam ser atingidos se não houver possibilidade comprovada de a cooperativa realizar o pagamento. E, muitas vezes, pode ocorrer o bloqueio de bens sem um aviso prévio aos cooperados", afirma.
Os prejuízos sofridos e temor dos que podem vir levaram mais de 500 cooperados da Unimed Paulistana procurarem a Associação Paulista de Medicina desde a decretação da alienaçao da carteira da operadira, diz Marun David Cury, diretor-adjunto de defesa profissional da entidade. A história, porém, é favorável aos médicos, avalia o médico.
"Quando a Unimed São Paulo faliu [no fim dos anos 1990], constituiu-se uma banca de advogados para defendê-los. Apesar de serem sócios que teriam responsabilidades [com as dívidas], nenhum colega foi citado [pela Justiça para fazer pagamentos]", afirma Cury.
O mesmo movimento é feito agora pelos cooperados da Paulistana. Um grupo de médicos da operadora com o ex-conselheiro fiscal Ângelo Vattimo à frente começa a colocar de pé uma associação que tem entre suas primeiras tarefas encontrar um bom escritório de advocacia.
"Não creio que os cooperados possam vir a ser responsabilizados. [Mas] se os ativos não cobrirem, pode ser pedida uma dissolução e nesse caso, creio eu, talvez, os cooperadado possam vir a ser [responsabilizados]", diz, num misto de tranquilização e alerta. "Mas há entendimento de que a responsabilidade se limitaria às cotas. Nós vamos lutar para isso, para que se restrinjam às cotas."
Nesse cenário menos pior, o neurologista Pinheiro Franco calcula que teria de desembolsar entre R$ 800 mil e R$ 1 milhão.
"Seria a destruição total, a anilquilação completa da gente como pessoa. Eu não tenho esse dinheiro."
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