A colheita de trigo avança e confirma volume inédito, mas a sensação no setor produtivo é de frustração. O mercado mais uma vez joga um balde de água fria no entusiasmo dos triticultores, que colhem 7,67 milhões de toneladas (38% a mais do que em 2013). Principal polo produtivo do país, a Região Sul tropeça em questões como perda de qualidade, preços limitados e vendas travadas.
No Paraná — onde a colheita chega a 60% da lavoura — cresce a preocupação com prejuízos, num momento em que os preços custam a reagir, mesmo após a confirmação de quatro leilões com apoio público. No Rio Grande do Sul, que tem lavouras na fase de desenvolvimento, as chuvas devem aumentar e ameaçam a qualidade da colheita – e a receita dos produtores.
No ano passado, cerca de 1 milhão de toneladas do trigo do Paraná foi perdido em virtude de geadas ocorridas em julho e agosto. Neste ano, a aposta era de recuperação. Porém, com preços 8,5% abaixo do mínimo (paga-se em média R$ 30,5 pela saca de 60 quilos), o quadro é de pessimismo.
Os preços até caíram 1,2% na semana do primeiro leilão de Prêmio Equalizador Pago ao Produtor Rural (Pepro), realizado dia 7. Ao todo, 68 mil toneladas foram negociadas (42,5% das 150 mil toneladas ofertadas). O Paraná negociou 63,3 mil toneladas (76,69%). Nesta quinta-feira, haverá novo leilão de proporção similar.
“O preço atual não cobre nem o custo de produção”, reclama o produtor Ivo Arnt Filho, de Tibagi (Campos Gerais). Ele acredita que os moinhos ainda possuem estoques elevados e, por isso, não têm interesse em adquirir o produto da safra nova.
Na avaliação do coordenador técnico da Organização das Cooperativas do Paraná (Ocepar), Flávio Turra, ainda é possível virar o jogo. Ele avalia que o setor ainda não estava familiarizado com a legislação das operações de Pepro. Com a ligeira queda do dólar frente ao real o mercado também reduziu o ímpeto de compra, aponta. “É possível esperar vendas maiores no próximo leilão. A expectativa é que os preços vão reagir”, diz.
A viabilidade da triticultura no longo prazo passa pela busca de qualidade tanto na lavoura quanto no processamento. Esses fatores, diretamente ligados ao mercado consumidor, pautam o 21º Congresso Internacional do Trigo, domingo (19) a terça-feira (21), em Foz do Iguaçu.
Além do mercado do cereal no Mercosul e no âmbito global, as tendências do consumo, como a onda do regime para emagrecer que proíbe o pão branco, serão abordadas enquanto novas exigências à cadeia da produção. O evento é promovido pela Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo).
O presidente da entidade, Sérgio Amaral, defende que não basta melhorar a produção no campo sem uma conexão direta com os padrões de qualidade do setor de panificação. “É preciso buscar a integração da cadeia produtiva pela ótica da qualidade. O produtor recebe mais e os moinhos passam a atender mercados mais exigentes”, observa.
“Havendo trigo nacional de boa qualidade os moinhos compram”, argumenta Amaral. Essa qualidade, estaria sendo ditada pelo consumidor, que deve ser esclarecido sobre os mitos das dietas da moda, mas precisa ser ouvido, considera.
A preocupação no campo, em época de preço abaixo dos custos, é mais com a produtividade e a liquidez. No Rio Grande do Sul, onde os preços estão mais defasados ainda do que no Paraná, houve danos à produção nas regiões baixas, que enfrentou excesso de chuva no fim de setembro.
A colheita começa num momento em que se confirma a perda de qualidade. O produtor que receberia R$ 25 por saca (cotação 25% abaixo do preço mínimo de R$ 33,45) pode ter renda ainda mais reduzida. Produtores e lideranças do setor dão como certa uma redução no plantio no próximo inverno.
Crédito para moinhos divide opiniões
A extensão do Programa para Construção e Ampliação de Armazéns (PCA) para os moinhos de trigo divide opiniões no setor. Benefícios como o juro de 4% ao ano e prazo de 15 anos para quitação, que até agora contemplavam apenas cerealistas, produtores e cooperativas, foram estendidos pelo governo federal à indústria. A intenção é ampliar os investimentos em silos e barracões, mas o setor produtivo teme que essa estrutura seja usada para estocar trigo estrangeiro e amplie a barreira ao nacional.
A indústria aponta que o benefício permite retirar um volume maior de produto nacional do mercado. O presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), Sérgio Amaral, argumenta que a medida vai garantir previsibilidade de compras. “Hoje o grande problema é a incerteza”, afirma. A entidade estima que será possível acrescentar entre 400 mil e 800 mil toneladas à capacidade estática da indústria, e que o país passaria a contar com espaço para armazenar uma safra de trigo inteira.
Na avaliação do produtor Ivo Arnt Filho, é preciso assegurar que as novas estruturas sejam utilizadas para formação de estoques com o produto nacional. “Isso reduziria a necessidade de importação”, argumenta.
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