O dólar retomou ontem o viés de baixa que prevalece em abril. Expressivo fluxo positivo e indicadores americanos ruins ampliaram a oferta de moeda americana no mercado de câmbio brasileiro. A crise ucraniana atua no mesmo sentido. Investidores globais fogem do risco russo e, como os juros longos dos EUA persistem em queda, buscam refúgio nos papéis de alto rendimento e baixíssimo perigo de calote do Brasil. O dólar fechou cotado ontem a R$ 2,2261, em queda de 0,70%. No acumulado do mês até ontem a desvalorização atinge 1,91%. O investidor externo que entrou aqui no último dia de março ganhou até agora, agregadas as variações do câmbio e da Selic, 2,53%. Em 15 dias úteis, ele lucrou o equivalente a quase onze meses de rentabilidade de um título de 10 anos do Tesouro americano.
Não é por acaso, portanto, que o fluxo cambial persiste generosamente positivo. Apenas nos quatro dias úteis da semana passada, o ingresso líquido de capital alcançou US$ 2,374 bilhões. Os dois pratos da balança se mostraram positivos e equilibrados. Pela conta financeira, o saldo foi de US$ 1,239 bilhão. E a contratação de câmbio para exportação e importação contabilizou uma entrada líquida de US$ 1,135 bilhão. No acumulado de abril até quinta-feira, a balança exibe superávit de US$ 3,375 bilhões. Nesse mesmo período de 13 dias úteis do ano passado o saldo foi menor, de US$ 1,47 bilhão.
A mudança de humor do mercado global em favor de ativos de países emergentes reconfigurou a balança cambial. No ano passado, entre janeiro e abril, houve um déficit de US$ 629 milhões, agora substituído, para idêntico período, por um superávit de US$ 5.433 bilhões. Essa reviravolta desdramatiza a necessidade de reversão do déficit em transações correntes do balanço de pagamentos. Na casa de 3,7% do PIB, está sendo financiado sem maiores problemas por investimentos estrangeiros diretos e por capitais de portfólio.
A abundante oferta de capitais estrangeiros esvazia também a argumentação de que, não obstante o saldo positivo colhido no ano pelo fluxo cambial, na verdade a balança seria deficitária porque os bancos carregam posições vendidas à vista em dólar. Tais posições vêm se reduzindo acentuadamente desde que a maré voltou a encher para os emergentes. As instituições fecharam março com dívidas à vista em moeda estrangeira de US$ 16,254 bilhões. Treze dias úteis depois, o montante já se reduziu para US$ 10,821 bilhões. E não é um endividamento difícil de ser administrado. A maior parte dos recursos é fornecida pelo próprio Banco Central, por meio de suas linhas de crédito com compromisso de recompra. E estão hedgeadas através da cobertura de swaps cambiais.
Não há perspectiva de alteração no cenário global de baixo crescimento pelo menos no médio prazo. Nos EUA, os indicadores continuam apontando para direções opostas. Embora afastada a possibilidade de uma recaída na crise, a recuperação é exasperantemente lenta. O setor industrial conhece uma retomada com escorregões. Divulgado ontem, o PMI calculado pela Markit Economics decepcionou. Os analistas esperavam que após os 55,5 pontos de março o índice fosse crescer a 56, mas recuou a 55,4. Mas muito pior foi dado da área imobiliária. O número de imóveis residenciais comercializados no mês passado tombou 14,5% em relação a fevereiro, mês em que foram vendidas, apesar do inverno, 449 mil residências. Os especialistas previam expansão para 450 mil este mês, mas foram negociados somente 384 mil. O resultado foi a perda do patamar de 2,70% dos T-Note de 10 anos. A taxa caiu de 2,71% para 2,69%.
Na Europa, o temor é de que a crise entre a Rússia e a Ucrânia acabe contaminando o resto do Continente. A Ucrânia precisa de US$ 30 bilhões para não quebrar. E a situação econômica russa se deteriora em função dos gastos militares e das retaliações. Os comentários de ontem foram de que o Banco Central Europeu (BCE) prepara um afrouxamento quantitativo de 1 trilhão de euros para evitar recidiva recessiva na zona do euro. E, na China, a reação da economia a medidas governamentais localizadas de estímulo à atividade tem sido ainda muito tímida. O índice PMI industrial acusou leve melhora, de 48 pontos em março para 48,3 em abril, mas, como está abaixo dos 50 pontos, ainda se locomove na faixa da contração.
Frente a esse cenário, os investidores globais olham para os emergentes do ponto de vista do copo meio cheio. As economias dos EUA, da Europa e da China irão precisar de doses suplementares de estimulação monetária, o que poderá ser benéfico a países como o Brasil. Se vissem a situação da perspectiva do copo meio vazio, a aversão ditaria o comportamento pois a apatia econômica global aumentaria os problemas da área externa. Mas o juro brasileiro de 11% trata de preencher o restante do conteúdo que falta.
Os juros caíram com desenvoltura ontem no mercado futuro da BM&F. E não só por causa do fluxo que derruba o dólar. Na terça-feira, no mesmo dia em que a projeção do mercado para o IPCA fechado de 2014 furou o teto da banda de inflação, o diretor de Política Econômica do BC, Carlos Hamilton de Araújo, foi à noite à televisão garantir que a inflação irá sentir os efeitos do ciclo de alta da taxa Selic e, por isso, encerrará o ano dentro dos limites do sistema de metas. O mercado acreditou e reduziu a taxa para janeiro de 11,02% para 10,99% e o juro para janeiro de 2017 de 12,35% para 12,22%.
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