O mercado de fusões e aquisições está para peixe no Brasil. Não para os grandes, é sabido, mas para os pequenos e médios. Quem garante é um especialista em um nicho que movimenta operações abaixo de R$ 100 milhões e que não se abalou com a estagnação da economia brasileira, nem com o fraco desempenho da Bolsa de Valores: o advogadoEduardo Boccuzzi, sócio fundador do escritório Boccuzzi Advogados Associados.
Segundo ele, essa faixa de operações cresceu 30% no escritório. E a explicação pode estar justamente na burocracia e na dificuldade para se abrir uma empresa no país. Essas barreiras tornam a fusão com um negócio já funcionando a melhor opção para um estrangeiro interessado no mercado consumidor nacional.
“Quando a porta de entrada é muito fácil para o concorrente estrangeiro, ele simplesmente abre a empresa e se estabelece. Mas começar um business no Brasil, ganhar mercado, se estabelecer, leva tempo. Até começar a produção, há um lapso de até três anos. Por isso, é mais fácil comprar o negócio que já está aberto”, diz. E dá a dica: as empresas de tecnologia da informação têm chegado e são as maiores interessadas em fusões multinacionais.
Boccuzzi sabe do que fala por conhecer o outro lado do Atlântico. Entre 1996 e 1997, trabalhou para uma das mais tradicionais bancas inlgesas, a Denton Wilde Sapte, fundada em 1785. Quando voltou — e a ConJurregistrou a experiência em uma de suas primeiras reportagens, em 1997 —, fundou o próprio escritório, com um compromisso: rentabilidade primeiro, crescimento depois. Após 18 anos, tem 15 advogados. E a média de crescimento do faturamento do escritório tem sido de 15% ao ano.
O advogado concedeu entrevista à Consultor Jurídico quase no fim de um expediente. No simpático e bem decorado escritório na Avenida Faria Lima, em Pinheiros, as perguntas se tornaram um bate-papo sobre advocacia e oportunidades, com direito a conselhos que interessam desde estagiários até advogados e sócios empreendedores.
Bacharel em Direito em 1989 pela Universidade de São Paulo, Eduardo Boccuzzi, 53 anos, é especialista em finanças corporativas, fusões e aquisições, Direito Bancário, mercado de capitais e Direito Tributário. Recebeu da revista inglesa Global Law Experts, em 2010, a indicação de profissional recomendado na área de fusões e aquisições no Brasil. A publicação recomenda cerca de 2 mil experts em mais de 50 áreas em 140 países e tem quase 120 mil assinantes. Boccuzzi é também coautor do capítulo brasileiro do livro International Corporate Law Compendium.
Formado pelo Instituto de Estudos Legais Avançados da Universidade de Londres e pela London Guildhall University, é membro da American Bar Association, da International Bar Association e da Comissão de Direito Bancário da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil. É também assessor jurídico da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec) Nacional, participando do Comitê de Ética.
Leia a entrevista:
ConJur — As barreiras jurídicas nos diversos países para operações de fusão e aquisição foi tema de debate internacional que ocorreu recentemente em Nova York, do qual o senhor foi um dos palestrantes. Quais são as dificuldades de se fazer um negócio multinacional como esse no Brasil?
Eduardo Bocccuzzi — Ninguém consegue cumprir as leis trabalhistas e tributárias no Brasil, e tudo pode ser questionado judicial e administrativamente. Esses riscos, somados às questões ainda não resolvidas pela Justiça brasileira, aparecem nos relatórios de due diligencecomo potenciais passivos na visão das auditorias. E reduzem o valor das empresas a serem negociadas. Por isso, em muitas operações, quando acaba a due diligence, acaba o deal.
ConJur — Esse tipo de dificuldade é restrito ao Brasil?
Eduardo Boccuzzi — Quando se tem mais de uma jurisdição, sempre haverá diversas questões envolvidas, até mesmo filosóficas. A escolha da jurisdição em caso de um conflito, a decisão sobre se a disputa será judicial ou arbitral, a exigência de garantias por parte do vendedor e o país onde essa garantia terá de ser apresentada são exemplos de impasses comuns em negócios em vários países. Mas se a operação é boa, vai acontecer. Os debates são sempre os mesmos, exceto por uma peculiaridade aqui ou ali.
ConJur — Quais?
Eduardo Boccuzzi — A questão da notarização na Alemanha é um exemplo de barreira às fusões. A legislação do país exige que todos os contratos sejam registrados em cartório, com procedimentos que incluem a leitura audível de todas as páginas por um tabelião. Acontece que operações dessa natureza produzem documentos de mais de 500 páginas. Para evitar essa burocracia, as partes costumam optar pela formalização na vizinha Suíça, onde essa exigência de leitura dos termos é contornável. E a Alemanha aceita registros feitos na Suíça. Nesse quesito, pelo menos, o Brasil está à frente.
ConJur — Um gol de honra?
Eduardo Boccuzzi — Pelo menos em alguma coisa não perdemos. Em outros casos, há questões de conflito de leis, qual delas deve prevalecer para o contrato. Sempre há um lado mais forte, que é o de quem compra. E normalmente quem é mais forte acaba impondo suas condições. Mas quando o negócio acontece em um país onde há uma restrição maior à entrada do estrangeiro, uma economia mais fechada, quem está sendo vendido tem um poder de barganha mais forte.
ConJur — E o Brasil é um exemplo?
Eduardo Boccuzzi — No Brasil há uma dificuldade muito grande para se montar um empreendimento, começar do zero, deslanchar. Tudo é burocrático, tudo é complicado. Isso facilita a posição do empresário brasileiro na hora de vender seu negócio. Ele pode barganhar. Porque, quando a porta de entrada é muito fácil para o concorrente que quer comprar o negócio do outro aqui, se o vendedor dificultar muito a negociação, pedir muito, o estrangeiro simplesmente abre a empresa dele e se estabelece. Mas começar um business no Brasil, ganhar mercado, se estabelecer, leva tempo. Envolve achar um terreno, montar a empresa, obter licenças ambientais, importar maquinário. Até começar a produção, há um lapso de até três anos. Por isso, é mais fácil comprar o negócio que já está aberto.
ConJur — Que negócios recentes desse tipo aconteceram no Brasil?
Eduardo Boccuzzi — A aquisição, em 2013, de parte das indústrias Rossi, de produtos eletromecânicos, com sede no Distrito Federal, pelo grupo italiano FAAC, um dos maiores do mundo em automação de portas e portões, é um exemplo.
ConJur — Como o escritório de advocacia brasileiro atua no caso de uma fusão ameaçada de não acontecer devido ao excesso de contingências?
Eduardo Boccuzzi — Depois que as auditorias fazem seu trabalho, tanto o vendedor quanto o comprador pedem uma opinião legal a um escritório de advocacia. Nosso trabalho nessas situações é contextualizar o relatório da auditoria. É muito comum, principalmente em relação aos apontamentos na área tributária. Porque a auditoria levanta todos os pontos possíveis de contingência, o que espanta. E o responsável pela compra não pode levar ao seu board [diretoria] lá fora um relatório dizendo que a empresa não vale nada em função das contingências que pode vir a ter, caso contrário, o negócio não acontece. Então, ele contrata um escritório para avaliar qual é a chance de perda em cada risco. É isso que chamo de “contextualizar”. Nossa avaliação mostra quais são, de fato, as possibilidades de perdas e o que pode ser contornado administrativa ou judicialmente.
ConJur — Qual é a base para essa avaliação?
Eduardo Boccuzzi — Análise de jurisprudência. Suponhamos que a auditoria diga que constituir determinado tipo de provisão pode ser objeto de autuação ou essa provisão pode vir a se tornar um passivo para a empresa. Minha obrigação é olhar a jurisprudência e ver se o Fisco tem ganhado essas disputas, tanto na esfera administrativa quando na judicial. Um exemplo são os planos de PLR [participação nos lucros e resultados], comuns nos relatórios de auditoria. Eles dizem que os planos estão em desconformidade com a legislação. Porque há exigências como a homologação do sindicato dos trabalhadores para cada planejamento. Acontece que o que se paga com essa rubrica são valores altos, sobre os quais as auditorias recomendam provisionamento em caso de futuras autuações. Aí, fica todo mundo assustado. Mas quando se procura olhar a jurisprudência, é possível ver que os tribunais têm abrandado esse excesso de formalismo, esse rigor excessivo, que os fiscais estão querendo impor em relação aos planos de PLR.
ConJur — Isso na Justiça, certo?
Eduardo Boccuzzi — Sim. No Carf [Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, que julga contestações a autuações fazendárias], não. Mas quando essas discussões sobre a falta de uma vírgula vão para os tribunais judiciais, os planos têm sido aceitos.
ConJur — Escritórios de advocacia estrangeiros que representam compradores do exterior também pedem esse tipo de trabalho?
Eduardo Boccuzzi — Sim, eles nos subcontratam e nos mandam o relatório da auditoria. Com a nossa opinião nas mãos, eles vão questionando até que se constrói uma legal opinion sobre o relatório.
ConJur — Falamos de contingências tributárias. E as trabalhistas?
Eduardo Boccuzzi — Também tem gerado muitos contingenciamentos a questão dos “PJs”, pessoas físicas que abrem uma empresa e prestam serviço como pessoas jurídicas. São principalmente executivos com remunerações altas. A “pejotização” é um palavrão. Já cuidei de processo em que o executivo ganhava como PJ mais de R$ 100 mil por mês, mas uma desembargadora de um Tribunal Regional do Trabalho ficou indignada: “Onde já se viu! Pejotização, doutor! E o senhor vem aqui defender? Ele era um empregado!”, ela repetia.
ConJur — Não é um contrassenso imaginar que um executivo com ganhos desse calibre está sendo ludibriado?
Eduardo Boccuzzi — Eu também acho. A Justiça do Trabalho deveria passar uma régua e fazer um limite de alçada. Só seria possível ajuizar uma ação trabalhista em caso de profissionais cuja remuneração não ultrapassasse R$ 50 mil por mês. A partir disso, a discussão se daria fora da Justiça do Trabalho ou sob outros parâmetros. Hoje em dia, muitos profissionais e empregados estão em pé de igualdade com as empresas para discussão. Não dá mais para dizer que todo empregado é hipossuficiente, principalmente quando o empregador é um pequeno negócio. Corretoras de valores mobiliários, de ações, por exemplo, estão passando por muita dificuldade, porque sempre trabalharam com o modelo do agente autônomo de investimento, que era quem tinha sua carteira de clientes e deveria trabalhar prestando serviços dentro da corretora.
ConJur — Como um representante comercial?
Eduardo Boccuzzi — Quase. E ganhando uma parte da corretagem, geralmente 50% ou mais. Quando ele sai da corretora, geralmente entra com uma ação trabalhista, dizendo que prestava serviços, que tinha jornada, que era subordinado, que trabalhava com habitualidade. Mas eles têm ganho como sócios. Hoje em dia, é muito difícil comprar uma corretora, tamanho o risco envolvido. Por causa disso ou não, é fato que a BM&FBovespa baixou uma regulamentação dizendo que as corretoras que, a partir de 2015, tiverem agentes autônomos prestando serviço para clientes institucionais não receberão o selo de qualidade. Hoje existe o home broker [software que conecta os usuários diretamente ao pregão eletrônico na bolsa de valores]. Então, a corretagem é um business em extinção. Mas na ânsia de querer atender, a corretora traz o agente autônomo, que traz o cliente. E esse agente, sendo um PJ, consegue ganhar mais. Com a nova regra, todo mundo que atende cliente institucional, se quiser ter o selo de qualidade da BM&F, vai ter que necessariamente ter corretor empregado, e não agente autônomo. Agente autônomo de investimento é uma profissão regulamentada. Tem que ter registro na CVM [Comissão de Valores Mobiliários]. Existe desde os primórdios do mercado de capitais. Mas o Judiciário trabalhista vê isso como uma “pejotização”.
ConJur — O ministro Pedro Paulo Manus, hoje aposentado e advogando, quando julgava no Tribunal Superior do Trabalho dizia que nem todo trabalhador deve ser considerado hipossuficiente. Ele mesmo se colocava como exemplo, já que era professor de Direito do Trabalho e empregado da PUC-SP. Dizia ter uma carga de conhecimento que não permitia que ele fosse identificado como hipossuficiente em um possível litígio com a empregadora.
Eduardo Boccuzzi — A Justiça do Trabalho criou uma armadilha para si mesma, ela se retroalimenta quando aceita causas injustas, de pessoas que poderiam resolver seu problema de outra forma, e que não têm uma condição de hipossuficiência. Ela não pune a má-fé do empregado. Com isso, faz com que mais e mais pessoas sejam estimuladas a procurá-la, porque não estão correndo risco nenhum, não têm nada a perder.
ConJur — Em que áreas o mercado de fusões multinacionais tem mais se movimentado?
Eduardo Boccuzzi — Há muitos negócios entre empresas de TI [tecnologia da informação]. É uma área em ebulição, um mercado que passa por um momento de consolidação e que é muito dinâmico. Uma empresa hoje bem colocada no mercado daqui a pouco deixa de ser. É da natureza do business. Mas cada vez mais as empresas maiores adquirem parte das menores.
ConJur — Como por exemplo?
Eduardo Boccuzzi — Tem o caso da Inmetrics, que é nossa cliente. Em janeiro, eles fizeram uma fusão com duas empresas, a Solvix e a Gentix.
ConJur — Em geral, o mercado de fusões e aquisições arrefeceu no Brasil?
Eduardo Boccuzzi — Estamos com bastante movimento, mas não de grandes operações. Esse mercado está aquecido lá fora.
ConJur — O que pode ser considerado uma grande operação?
Eduardo Boccuzzi — Companhias abertas, coisa de R$ 500 milhões, R$ 1 bilhão. Esse mercado está muito aquecido lá fora. Aqui, o que está em crescimento são operações de até de R$ 100 milhões. Talvez o fato de a bolsa brasileira estar ruim também explica esse fenômeno. Não há mais aberturas de capital como aconteceu em 2006, 2007, principalmente com os grandes frigoríficos. Eles tinham um determinado potencial e um bom tamanho, abriram o capital, captaram muito dinheiro e foram às compras. O que se tem hoje é um movimento inverso. De 2012 para cá, muitas empresas estão estudando o fechamento de capital. E isso é ruim, é sinal de que as empresas estão desvalorizadas na bolsa. O acionista controlador percebe uma oportunidade de fechar capital para, depois de alguns anos, quando o mercado estiver melhor, voltar.
ConJur — Mas isso gera disputas internas.
Eduardo Boccuzzi — Exatamente. Essas decisões prejudicam o acionista minoritário. Porque quando a empresa fecha o capital no mercado em baixa, impõe ao minoritário a obrigação de entregar as ações. Em muitas situações, o minoritário vai à Justiça.
ConJur — O escritório já defendeu casos desse tipo?
Eduardo Boccuzzi — Trabalhamos para vários minoritários, como nos casos da UOL e da Confab, que terminaram em acordo. Como atuamos com mercado de capitais, somos contratados por muitos fundos para defender seus interesses.
ConJur — A que se deve a queda no desempenho da bolsa?
Eduardo Boccuzzi — Há muita gente preocupada com o futuro do país e constituindo uma provisão de recursos fora. O investidor começa a desacreditar no Brasil, vê o que está acontecendo na Venezuela, na Argentina. Abre uma conta fora e constitui uma empresa offshore, para investir em uma moeda forte.
ConJur — O Brasil ainda atrai o interesse por fusões?
Eduardo Boccuzzi — Fusões e aquisições acontecem onde há economias com pujança. O Brasil tem um mercado de 200 milhões de pessoas. E exportar para cá é complicado. Então, as empresas estrangeiras que querem entrar no Brasil fazem isso por meio da aquisição de uma empresa brasileira.
ConJur — Onde esse tipo de operação está crescendo lá fora?
Eduardo Boccuzzi — Há muita atividade nos Estados Unidos, porque a economia está retomando o crescimento. Trabalhamos com um escritório de fusões e aquisições que fica em Omaha, uma consultoria chamada CFA, Corporate Financial Associates. E eles têm nos mandado news letters dando conta de um grande número de operações no mercado americano.
ConJur — Quais são os números que operações de fusões envolvem?
Eduardo Boccuzzi — As de valor acima de R$ 100 milhões são minoria. Há inúmeras operações de até R$ 50 milhões. Tem operações até mesmo de R$ 3 milhões, R$ 5 milhões, R$ 10 milhões. Recentemente trabalhamos em um negócio de um grupo editorial que vendeu 30% de suas ações por R$ 5 milhões. Não é ruim.
ConJur — E como os escritórios de advocacia cobram por esse serviço?
Eduardo Boccuzzi — Quanto maior o valor da operação, menor o percentual. Mas os escritórios não cobram sobre o valor da operação, cobram honorários. Eu diria que 90% das operações são assim. Só quem não é do ramo propõe um percentual sobre o valor da operação. Pode ser que o advogado cobre um percentual quando assume a negociação, mas aí não é "feijão com arroz". Se o empresário precisa do advogado para negociar a venda do seu negócio, é meio esquisito.
ConJur — O Código de Ética da advocacia está sendo discutido e, entre as questões, está a publicidade, hoje proibida. O mercado da advocacia hoje movimenta bilhões. São razoáveis essas barreiras?
Eduardo Boccuzzi — Eu tendo a ser mais liberal na questão do marketing. Porque a publicidade não se traduz em captação. Não há uma relação direta. No mundo inteiro, 90% das contratações das empresas ainda é feita via relacionamento pessoal. Quando você precisa de um advogado, acaba sempre procurando alguém que conheça ou que tenha te passado uma boa imagem. Se você não lembrar de ninguém, não conhecer ninguém, vai pedir uma indicação. Quando uma pessoa coloca seu nome no Google e te liga, geralmente não dá certo. O próprio advogado fica com um pé atrás. É diferente do cliente que liga dizendo ter lido uma entrevista sua sobre determinado assunto e que tem um caso parecido. Isso não é publicidade.
ConJur — Proibir faz sentido?
Eduardo Boccuzzi — Isso tem mais a ver com a questão da mercantilização da profissão, o que não é algo sadio para a sociedade, é coisa de uma sociedade doente, todo mundo processando todo mundo. Mesmo nos Estados Unidos, onde existe a possibilidade de anúncio em televisão, ela é restrita a determinado nichos de atuação, como os casos de massa. Não se vê um sujeito na televisão oferecendo o escritório para uma fusão. Também tem a ver com reputação. Eu me sentiria mal em ir à televisão e dizer: “Me procurem, porque eu sou muito bom”.
ConJur — Mas vemos, no Brasil, o logotipo de consultorias em assentos de aviões.
Eduardo Boccuzzi — É diferente. Você vai contratar uma auditoria porque viu o logotipo no avião? Você vai atrás pelo nome que ela tem.
ConJur — E um escritório de advocacia não poderia fazer o mesmo?
Eduardo Boccuzzi — Eu não vejo impedimento. Mas acho que é dinheiro jogado fora.
ConJur — Para a OAB, o escritório de advocacia não pode ser visto como uma empresa, mas grandes bancas se organizam como grandes corporações. É uma contradição?
Eduardo Boccuzzi — No fundo, o que o advogado faz é cuidar das pessoas, como o médico. Quando você está doente, procura um profissional da Medicina. Quando empresta dinheiro a alguém e é passado para trás, procura um advogado. Cuidamos de pessoas, de problemas, e à medida que o escritório cresce, tem que se organizar, e nos moldes que são conhecidos, não dá para inventar a roda. Por isso, ele se organiza de uma forma aparentemente empresarial. Mas, no limite, o advogado cuida do processo como se fosse seu. O fato é que se organizar dentro de uma estrutura é muito mais fácil para sobreviver no mercado. A sociedade cresceu, as operações cresceram e alguém, sozinho, não consegue mais atender as demandas. Você precisa de braços, um sócio na área trabalhista, um na área tributária, um na área cível, um na área societária. Antigamente, você conseguia se filiar ao Creci e virava corretor de imóveis, abria uma salinha ou trabalhava de casa. Hoje você tem empresas de corretagem de imóveis listadas na bolsa de valores. Antes, o sujeito se formava em Farmácia e abria uma farmácia no bairro. Hoje só vemos grandes redes. E como atender às grandes redes? Será que um advogado conseguiria atender, sozinho, à Droga Raia? A Droga Raia, por sua vez, não quer ter 500 advogados. A consolidação das empresas gera uma consolidação dos escritórios.
ConJur — Alguns grandes escritórios têm reformulado seus métodos de remuneração de sócios, o que, em alguns casos, tem provocado cisões. Qual é o método mais justo?
Eduardo Boccuzzi — O escritório só sobrevive se tiver gente que traga trabalho, que traga clientes. E a soma de remuneração dos advogados, dos sócios, vai passar sempre por esse processo. Há o sistema inglês, pelo qual, a cada dois anos, o advogado sobe um degrau. E quando sobe, vai sempre ganhando mais. Não importa muito o quanto o advogado trouxe em rentabilidade, mas somente que tenha gerado receita. Há um mínimo para trazer. Se dentro daqueles dois anos ele não gerou nenhuma, quer por trazer trabalho, quer por debitar horas, está fora da sociedade. Isso mostra que o que continua valendo é trabalhar muito ou gerar trabalho para o escritório. Se não houver isso, não se garante a remuneração. O modelo americano é um pouco diferente, o advogado tem participação na receita de acordo com o que gera de trabalho ou das horas que debita, o que também não está errado. Mas não é possível fugir da regra de que quem não trabalha e não gera receita, não se sustenta.
ConJur — O advogado que traz clientes merece ganhar mais?
Eduardo Boccuzzi — Eu acho que sim. O vendedor, em qualquer empresa, é premiado. O advogado que circula, que faz networking, também tem que ser premiado. A outra opção é tornar todo mundo empregado, o que não dá. Ou a do sócio capitalista, que é o modelo dos grandes escritórios de contencioso de massa, que cobram muito barato. Há um dono em cima, que é quem ganha muito dinheiro — na verdade, nem tanto assim, devido ao risco que corre. Para que ele possa ter lucro, acaba tendo embaixo um monte de gente ganhando pouco.
ConJur — Acreditou-se que a Copa do Mundo e as Olimpíadas trariam investimentos estrangeiros para o Brasil e gerariam negócios para os escritórios. Essa expectativa se confirmou?
Eduardo Boccuzzi — Não para nós. O que trouxe muitos investimentos estrangeiros foi o pré-sal. Recebemos muitas consultas de empresas estrangeiras que queriam se estabelecer no Brasil porque um cliente iria fornecer determinado equipamento para a Petrobrás e eles viriam junto para atender. É uma cadeia, como o setor de autopeças. Quando a Renault se instalou no Paraná, atendemos outra empresa que fazia bancos de carro e que queria ir para lá também. Eles vieram e montaram um fábrica. Atrás da empresa que fabrica os bancos, que era nossa cliente, veio outra que fornece a espuma. Existe essa cadeia. E o último grande afluxo de investimentos foi na época do pré-sal.
ConJur — E isso continua?
Eduardo Boccuzzi — Sim. O pré-sal ainda vai gerar muito trabalho.
ConJur — O Boccuzzi Advogados Associados tem quantos advogados?
Eduardo Boccuzzi — Aproximadamente 15. Somos uma butique abrangente, mas não fazemos full service. Cuidamos de casos tributários, trabalhistas e de contencioso cível comercial e societário.
ConJur — Como começou?
Eduardo Boccuzzi — Nós começamos em 1996 com três pessoas: eu; o Olavo Torrano, que saiu em 2005 e foi para o Grupo Estado; e o Gilberto Duarte de Abreu, que trabalhava no Banco do Nordeste e estava se aposentando na época. Eu estava montando escritório quando o conheci. Ele ficou uns cinco anos e depois saiu para montar o próprio escritório.
ConJur — Quando decidiu criar o escritório, a ideia era ter uma estrutura pequena como a de hoje?
Eduardo Boccuzzi — Sim. Eu sei onde quero chegar. E o que quero é fazer um trabalho de qualidade. É muito fácil montar um escritório e, de uma hora para outra, ter 100 advogados. Você começa a pegar tudo que aparece. Mas às vezes as pessoas não se dão conta de que só encher o escritório de trabalho é fácil, mas transformar isso em um escritório rentável é outra história. Minha meta é crescer, mas sem perder a rentabilidade. E isso nós temos conseguido. Outra coisa que prezo é a altura da régua. Quanto mais alta a sua régua, mais difícil é a contratação, a seleção e a manutenção do pessoal. Pode-se ter muitos advogados, mas gente bem formada, com capacidade, que resolva, é sempre uma minoria.
ConJur — Qual o perfil do advogado contratado pelo Boccuzzi?
Eduardo Boccuzzi — Em primeiro lugar, o que tem faculdade de primeira linha. E seja lá qual for a área em que ele atua, tem que ter uma capacidade fabulosa de redação. Pode ser muito bom em matemática, mas se não souber escrever, não interessa. Porque quem não sabe escrever, não sabe interpretar. E quem não é um exegeta, que não lê, escuta o problema do cliente e fica desfocado.
ConJur — Como faz para contratar?
Eduardo Boccuzzi — Usamos um head hunter.
ConJur — Há alguma rotatividade?
Eduardo Boccuzzi — Geralmente as pessoas ficam bastante tempo. No ano passado, entraram dois. Este ano, entrou mais um, mas perdemos outro. Os sócios já estão aqui há muitos anos. A Márcia Yoshida e o Marco Orlandi estão há 17 anos; o Alfeu Pinto, há 14; e o Rogério Silva, há 9 anos.
ConJur — Você estimula os advogados a produzir e publicar artigos?
Eduardo Boccuzzi — Sim. Tento incutir nas pessoas o princípio de que advogado, acima de tudo, é um profissional liberal, e que aqui ele vai ser sócio. A gente não quer mentalidade de empregado. Cada um é senhor da sua mão de obra, da sua carreira. O escritório vai se beneficiar com a publicação de um artigo? Vai. Mas o profissional também. Quando alguém me pergunta se o escritório paga a pós-graduação, digo que, a princípio, não. Porque gosto de ver, primeiramente, o profissional investindo em si mesmo. Quando eu fui morar fora e trabalhar, e fiquei um ano e meio em Londres, não pedi a ninguém para pagar minha viagem. Eu sabia que isso teria um resultado na minha carreira. E o que eu vi na minha experiência foi que a pessoa que tem o curso pago pela empresa raramente dá valor ou aproveita. O que oferecemos aqui são ótimas instalações, tecnologia de ponta, biblioteca, possibilidade de crescimento profissional, remuneração à altura da exigência, café de primeira etc. Os ganhos, cada um gasta como quiser. Se quiser gastar com um plano de saúde top, se quiser comer nos melhores restaurantes, ou se preferir investir na própria qualificação, é a pessoa quem deve escolher e assumir a responsabilidade sobre o seu destino.
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