Para quem enfrenta o trânsito caótico nas grandes cidades do país, projeções divulgadas ontem pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) apontam um cenário ainda mais sombrio para meados do século: segundo a entidade, a frota brasileira de veículos leves deve triplicar até 2050, atingindo a marca de 130 milhões de automóveis. A previsão faz parte do estudo Cenário Econômico 2050, que é parte do processo de elaboração do Plano Nacional de Energia e foi desenvolvido com contribuições de órgãos do governo federal, instituições de ensino e associações empresariais.
O crescimento da frota se dará, segundo o documento, em ritmo bem mais acelerado do que o da população brasileira, que deve passar dos atuais 200 milhões para 225 milhões de habitantes no período estudado. Assim, a EPE prevê avanço significativo na taxa de motorização do país. O indicador, que calcula o número de habitantes por veículo, já evoluiu bastante nos últimos anos, passando de 8,4 em 2002 para 5,7 em 2011. Em 2050, a entidade estima que serão 1,7 brasileiros para cada veículo, taxa comparável à de países europeus como Espanha, Itália, Alemanha e Reino Unido — os Estados Unidos, líderes nesse quesito, têm 1,2 habitantes por veículo.
A evolução brasileira dos últimos anos é resultado do crescimento da renda, aliado a políticas federais vigentes nos últimos anos para incentivar a venda de veículos, como a abertura de linhas de crédito e a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Entre 2010 e 2013, a frota brasileira mais do que dobrou, sem investimentos equivalentes em infraestrutura, o que acirrou problemas de mobilidade urbana e de qualidade do ar nas grandes cidades. Este ano, mesmo em crise, a indústria automobilística já vendeu 1,8 milhão de carros e comerciais leves.
Em sua projeção para os próximos anos, a EPE considera uma taxa de crescimento médio do PIB de 3,6%, e taxa de investimento acima dos 20% do PIB, contribuindo, ao lado do setor de petróleo e gás, para impulsionar a economia. O estudo pondera que a evolução dos indicadores depende de o Brasil “fazer o dever de casa, desenvolvendo a infraestrutura, que se encontra ineficiente se comparada a países com um maior nível de desenvolvimento, o que permitirá uma redução do Custo Brasil, e consequentemente, uma maior competitividade da economia brasileira.”
“Uma das marcas desse período será o forte crescimento da renda per capita, que irá se situar nos níveis atuais da França e Alemanha”, aposta o presidente da entidade, Maurício Tolmasquim, em nota oficial. Os números do Cenário Econômico 2050 apontam um crescimento, neste indicador, dos atuais US$ 10,8 mil por habitante por ano para US$ 36,1 mil por habitante por ano. “Outro aspecto importante para a evolução do setor brasileiro de transportes é a crescente taxa de urbanização que impacta a atividade de transporte de passageiros e de cargas neste horizonte. Além disso, deve se considerar a manutenção do peso da indústria automotiva no PIB brasileiro ao longo do horizonte”, analisa a EPE.
Ou seja, além de mais carros, as cidades terão também mais pessoas: a taxa de urbanização deve crescer dos atuais 84% para 89%, o que significa um incremento de 30 milhões de brasileiros entre os que vivem em centros urbanos. Estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste terão crescimento relativo maior do que Sul e Sudeste, que hoje concentram 56,5% da população brasileira.
Maior frota de veículos e maior urbanização estão entre os principais desafios do setor elétrico no período. A EPE espera que a fatia dos municípios com ar condicionado praticamente triplique, dos atuais 23% para 65% em 2050. A climatização tem mudado o perfil de operação do setor elétrico, com deslocamento do horário de pico para o período da tarde durante o verão e maior necessidade de investimento nas redes urbanas de distribuição de eletricidade.
Ao contrário da evolução verificada em países em desenvolvimento, a agropecuária deve permanecer com forte participação no PIB, diante da abundância de terras e da possibilidade de melhorias na produtividade em culturas dominantes. A EPE prevê, por exemplo, que o rebanho brasileiro pode crescer em 342 milhões de cabeças de gado, melhorando os indicadores de produtividade dos atuais 1 cabeça para 2,2 cabeças por hectare. A produção de cana de açúcar também deve ter grande evolução, passando dos atuais 737 milhões verificados em 2013 para 1,2 bilhão de toneladas em 2050.
Já na indústria, as projeções são de crescimento significativo da produção de cimento — de 71 milhões para 175 milhões de toneladas por ano — e de aço — de 35 milhões para 81 milhões de toneladas por ano — também motivadas pelo crescimento da renda per capita, que melhorará os indicadores de consumo brasileiros. No cenário traçado, porém, o Brasil continuará importador de insumos importantes para a economia, como produtos químicos e fertilizantes, apesar dos investimentos previstos para aumento da capacidade, principalmente no caso do insumo agrícola.
Para um país com potencial para se tornar grande produtor de petróleo, o cenário traz uma previsão ruim: o preço da commodity deve registrar queda no longo prazo, com o aumento dos esforços para redução das emissões de gases do efeito estufa e para a expansão das fontes renováveis de energia. Segundo o documento, projeções internacionais indicam que a cotação internacional do petróleo se aproximará da casa dos US$ 80 por barril entre 2014 e 2020 e registrará recuperação nas décadas seguintes, encerrando o período a US$ 97,30.
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