Exclusão, polêmicas e cerco à torcida: caso Aranha muda Grêmio em 22 dias

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Embora sua história centenária – completou 111 anos nesta segunda-feira -, o Grêmio se transformou em apenas 22 dias. Desde o episódio de injúrias raciais de torcedores contra Aranha em 28 de agosto, o clube passou por profundas mudanças. O reencontro com o goleiro e o Santos, às 20h30 desta quinta-feira, pelo Brasileirão, é tratado com expectativa pelo Tricolor. Os olhos do Brasil estarão sobre a Arena. Oportunidade para uma nova era na relação com o torcedor e, sobretudo, na manutenção da boa imagem do clube. 

Da exclusão da Copa do Brasil até campanhas de conscientização contra o racismo, passando por forte repercussão internacional e cerco a atitudes temerárias da maior torcida organizada do clube, o Grêmio tenta fazer dessa partida um recomeço. Um "marco", como classificam dirigentes. 

– Tem um significado diferente e muito importante para as pretensões no campeonato e por tudo o que ocorreu com Grêmio e Santos, por tudo o que passamos. Essas questões paralelas… não tem como negar, não tem como fingir que é um jogo normal, porque não é – admite o diretor executivo de futebol Rui Costa.

> Confira momentos de 22 dias de alta tensão:

EXCLUSÃO DA COPA DO BRASIL

A primeira consequência prática das injúrias raciais contra Aranha se deu na esfera esportiva. O Grêmio foi a julgamento no Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) em 3 de setembro.Acabou excluído da Copa do Brasil, em decisão que pode ser revertida ainda no Pleno, em julgamento sem data definida. 



A punição foi inédita no Brasil e causou profunda irritação entre os dirigentes do Grêmio. No entendimento deles, o clube virou “bode expiatório” diante de um clamor popular. Os advogados lamentaram o julgamento, que avaliaram de caráter pouco técnico. 



– O Grêmio foi satanizado pelo STJD – define o vice-presidente Nestor Hein.

ATÉ CARTA À FIFA POR MELHOR IMAGEM

Antes mesmo da sessão no STJD, o Grêmio empreendeu uma verdadeira cruzada contra a perda da credibilidade da instituição. O grande temor do clube era que a imagem de umaagremiação racista fosse espalhada pelo Brasil. A começar pela suspensão de dois sócios identificados no incidente com Aranha e colaboração com a polícia, que abriu inquérito sobre o caso.



O episódio ganhou contornos mundiais, com destaque inclusive na BBC, de Londres. Houve até envio de uma carta à Fifa. Quem a recebeu foi o presidente da Força-Tarefa da Fifa contra o Racismo e a Discriminação, Jeffrey Webb. O documento assinado pelo presidente gremista, Fábio Koff, apresentou explicações do clube sobre o episódio. Antes, Felipão já havia escrito um bilhete em nome do elenco, inclusive com sua assinatura, e enviado à Aranha.



No âmbito da propaganda, o Grêmio passou a homenagear seus ídolos negros, como o maior artilheiro do clube, Alcindo. Com o slogan usado desde 2013, “somos azul, preto e branco”, a campanha também ganhou o horário nobre da televisão aberta nesta semana. A torcida também abraçou a causa. No primeiro jogo após o incidente com Aranha, diante do Bahia, dezenas de gremistas levaram espontaneamente cartazes, reafirmando a ideia de que o clube não é racista.

 

CERCO TOTAL À GERAL DO GRÊMIO

– Eles estão sabendo que estamos esperando muito deles. Essa é a hora… É um jogo para a gente ver se dá tudo certo. Organizados ou não, todos têm que torcer para o Grêmio. Vai ser um marco. A torcida do Grêmio vai saber se comportar – confia o assessor especial da presidência para assuntos de torcida, Lauro Noguez, em contato com o GloboEsporte.com.O ápice desse esforço se deu ainda no primeiro tempo, quando a organizada Geral do Grêmio foi vaiada pelo resto do estádio ao entoar cânticos com a palavra “macaco”. O gesto foi encarado como uma afronta pela direção, que, um dia depois, decretou a suspensão da Geral. Ela ficou proibida de levar instrumentos e adereços que a identificassem como tal. Embora não considere esse termo racista ao xingar os rivais do Inter, a organizada decidiu evitar cantá-lo



A decisão foi da própria torcida, sem participação do Grêmio. No entanto, a direção se reuniu algumas vezes com líderes da Geral. O tom do encontro foi de cobranças e pedidos para que a torcida desse a sua contribuição nesse momento difícil do clube. 

Mesmo contando com uma aparente colaboração dos torcedores, o Grêmio apertou ainda mais o cerco. Aumentou o número de câmeras na Arena em ao menos 30%. O resultado foi positivo diante do Atlético-PR, em 10 de setembro. Não foram registrados incidentes no primeiro confronto após as punições à Geral, que cumpriu a promessa de suspender os cânticos de cunho racista.



Para o reencontro com Aranha, surgiram ainda mais medidas. O acesso à área em que localiza a Geral, a arquibancada norte, foi restringido. O torcedor só pôde comprar um ingresso por pessoa, tudo para facilitar a identificação após eventual confusão. Orientadores da Arena irão se camuflar “à paisana” para tentar coibir insurgências.

 

Além de ganhar proporções internacionais, o caso gerou uma onde de polêmicas. Os dirigentes gremistas trataram de esquentar o debate. Primeiro, o próprio presidente Fábio Koff, imediatamente após o julgamento no STJD. O sentimento de incredulidade com a decisão foi resumida com ironia:



– Se hoje é o dia em que se acabou o racismo no Brasil, e o Grêmio teve que pagar esse preço, o Grêmio está muito feliz por isso, tomara que assim seja.



A declaração mais rumorosa partiu de um vice-presidente que costuma ser o interino de Koff na presidência. Adalberto Preis sugeriu em seu Twitter que Aranha teria encenado a situação.



– Sabem por que o árbitro não ouviu nem presenciou? Porque não houve. Foi tudo uma grande encenação do goleiro para fazer cera – escreveu.

SILÊNCIO E ARRANCADA EM CAMPOA frase foi tão repercutida que acabou citada pela promotoria no julgamento que excluiu o Grêmio da Copa do Brasil. Mas não parou por aí. No treino de terça-feira, Felipão, antes silencioso sobre o assunto, tratou de requentar a polêmica. Em conversa com o assessor de imprensa na pista atlética do Olímpico, falou em tom audível aos jornalistas, dando a entender que os jornalista podem cair novamente na armadilha de Aranha:



– JP (João Paulo Fontoura), vamos ver se eles vão cair na esparrela de Aranha de novo – afirmou Scolari, supostamente se dirigindo à imprensa, informação não confirmada pelo clube.

Com os jogadores, a história foi diferente. A direção orientou os atletas a não se manifestarsobre o “caso Aranha”, esfriando a questão em entrevistas coletivas. A tática deu certo. Após a ordem, o Grêmio foi ao Rio de Janeiro enfrentar o Maracanã, com promessa de protestos de torcedores rivais contra o racismo. Apesar do clima de tensão, houve apenas um conflito isolado na chegada ao estádio entre as duas torcidas.



Em campo, os jogadores mostraram que a polêmica realmente ficou fora do ambiente do futebol. Fora da Copa do Brasil, o Grêmio venceu a primeira fora de casa no Brasileirão, diante do Flamengo e, depois, bateu Atlético-PR e empatou com o Atlético-MG. Não levou gols desde então. Está a um ponto de ingressar no G-4. 

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