Com o retorno de uma proposta legislativa que tenta extinguir o Exame de Ordem, a seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil aprovou nesta segunda-feira (23/2) uma manifestação de repúdio contra a medida. Conforme o texto, o exame “é um instrumento que a sociedade dispõe para aferição da capacidade técnica do bacharel em Direito que pretenda exercer a advocacia”.
A aprovação ocorreu durante o primeiro encontro de 2015 do Conselho Secional, com a participação de membros do colegiado e de representantes de entidades. Trata-se de uma resposta às articulações do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
A entidade avalia que, diante do número alto de candidatos reprovados, a solução é fechar cursos de instituições de ensino “que têm como missão exclusivamente gerar lucro”. O texto é assinado pelo presidente da OAB-SP, Marcos da Costa, e deve ser enviado a integrantes do Congresso Nacional, em Brasília.
Iniciativa semelhante foi adotada pela OAB em Mato Grosso, que divulgou na última sexta-feira (20/2) críticas ao fim do Exame de Ordem.
Leia a íntegra da carta da OAB-SP:
Em defesa do Exame de Ordem, da Justiça e da Cidadania
O Conselho Secional da Ordem dos Advogados do Brasil vem a público alertar a sociedade brasileira sobre os gravíssimos riscos à Justiça, à sociedade e ao Estado Democrático de Direito resultantes da proposta apresentada na Câmara dos Deputados, na forma do Projeto de Lei 2.154/2011, do deputado federal Eduardo Cunha, que pretende a extinção do Exame de Ordem.
O Exame de Ordem completou, em 2014, 40 anos de existência, sendo consagrado no atual Estatuto da Advocacia e da OAB, Lei Federal nº 8.906/1994, que exige, do bacharel em direito, dentre outros requisitos, a sua aprovação para ser inscrito na OAB e se tornar advogado.
O Exame de Ordem é um instrumento que a sociedade dispõe para aferição da capacidade técnica do Bacharel em Direito que pretenda exercer a advocacia.
A defesa técnica é base do Estado Democrático de Direito. De nada adianta a Constituição do Brasil, ou as nossas leis — como o Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto do Idoso, o Estatuto da Criança e do Adolescente —, assegurarem direitos aos cidadãos se eles não dispuserem de defesa técnica capacitada a defendê-los. E esse é o risco embutido na proposta de eliminação do Exame de Ordem. Uma cidadania fragilizada por falta de defesa efetiva de seus direitos, papel fundamental da democracia exercido pela advocacia.
Temos aproximadamente 4 milhões de bacharéis em Direito e, lamentavelmente, parte significativa deles, que pretendeu se tornar advogado, não demonstrou conhecimento jurídico indispensável para exercer a advocacia.
Não se desconhece o drama desses milhões de brasileiros que cursaram uma faculdade de Direito, não raras vezes com sacrifício pessoal e de sua família, para buscar realizar o sonho de tornar-se advogado. Infelizmente, porém, muitos deles, a par de seus esforços, não conseguiram, até por falta de condições oferecidas pelas respectivas faculdades de direito, finalizar o curso em condições de exercer a profissão.
A solução desse grave problema social, porém, não passa pela criação de um outro drama, de dimensão bem superior, de permitir que pudessem se tornar advogados, e passar a ter depositada em suas mãos a defesa dos direitos dos cidadãos brasileiros, sem que tenham capacidade técnica de exercer a advocacia.
O problema do número imenso de bacharéis sem capacidade de exercer as profissões jurídicas, no Brasil, está ligado umbilicalmente à gigantesca quantidade de faculdades de direito que, de forma irresponsável, passaram a ter seu funcionamento autorizado pelo Ministério da Educação nas últimas décadas. Entre os anos de 1997 e 2011, o número de cursos de Direito saltou de 200 para 1.100. Temos hoje mais faculdades de direito do que a soma das faculdades correlatas de todo o mundo.
É essa irresponsabilidade do Poder Público, que há muito vem sendo denunciada pela Ordem dos Advogados do Brasil, que precisa da atenção dos nossos legisladores. Sem que se dê solução definitiva para esse quadro, com o fechamento das faculdades que têm como missão exclusivamente gerar lucro para seus donos, sem nenhum compromisso com a qualidade de ensino, será elevado, exponencialmente, o número de bacharéis sem condições de exercer qualquer das profissões jurídicas.
Como o Poder Público não tem exercido seu poder de veto à abertura de novos cursos jurídicos e tampouco promovido a contento o fechamento daqueles que já demonstraram não cumprir requisitos mínimos para boa formação de seus estudantes, a existência do Exame de Ordem dá o balizamento aos jovens que queiram ingressar na advocacia, no momento de escolha da faculdade que irá cursar. Eliminar o Exame de Ordem representaria ainda tirar, desse estudante, esse elemento para sua escolha, favorecendo exatamente as piores faculdades.
Enquanto se discute a criação de exame de igual natureza em outras áreas do conhecimento humano, como da medicina, e da já criação para os profissionais de contabilidade, o projeto de lei em questão segue na contramão da efetiva necessidade da sociedade, de ter a segurança de poder servir-se de bons profissionais.
E nesse momento, no qual a sociedade brasileira deposita no sistema da Justiça a esperança para acabar com as mazelas que tanto prejudicam o desenvolvimento econômico e social do país, especialmente os males gerados pela corrupção, ao invés de buscar instrumentos para sua melhoria e valorização, o referido projeto acaba por atentar contra a administração da Justiça, pretendendo permitir que passem a ter capacidade postulatória pessoas que não apresentam condições técnicas para defender direitos. O advogado cumpre uma missão tão fundamental para a sociedade que a profissão é proclamada como indispensável à administração da Justiça pelo artigo 133 da Constituição brasileira.
Depositar essa missão nas mãos de alguém sem preparo para exercê-la representará situação que o saudoso ministro Rodrigues Alckmin, do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Representação nº 930, alertava: “Cabe indagar: quem exerce a advocacia sem a capacidade técnica necessária afeta outrem? A resposta é desenganadamente positiva. Causa prejuízos, à primeira vista, ao próprio cliente, fazendo-lhe perecer o direito ou deixando-lhe desguarnecido, mas também lesa a coletividade, pois denega Justiça, pressuposto da paz social. Atrapalha o bom andamento dos trabalhos judiciários, formulando pretensões equivocadas, ineptas e, por vezes, inúteis. Enquanto o bom advogado contribui para a realização da Justiça, o mau advogado traz embaraços para toda a sociedade, não apenas para o cliente”.
Por tudo isso, o Conselho Secional do Estado de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil conclama a todos, notadamente os Senhores Deputados e Senhoras Deputadas, a prestigiar a Justiça e a Cidadania, rejeitando o projeto de lei 2.154/2011.
Marcos da Costa, presidente da OAB-SP
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