Com o anúncio do Programa de Investimentos em Logística no começo de junho deste ano, já apelidado de “PIL 2” em alusão ao PIL anunciado em 2012, muitas dúvidas começaram a surgir: por que esse programa será diferente do anterior, que não cumpriu as suas principais promessas, e será bem-sucedido? É uma pergunta difícil de responder. Entretanto, podemos ter uma melhor previsão do que pode acontecer aprendendo com os erros do passado, a fim de que isso não atravanque esses novos investimentos.
O modelo de leilão por maior valor de outorga nas concessões aeroportuárias, com participação obrigatória da Infraero no consórcio, é eficiente quando a finalidade for encher o caixa do Tesouro e trazer um ganho de aprendizado de gestão aeroportuária à estatal; porém, algumas melhorias podem ser feitas para elevar o nível de excelência no serviço: a começar pela desnecessidade da participação da Infraero nos novos projetos. Se o ganho de aprendizado supostamente já vem ocorrendo com a concessão dos 5 aeroportos anteriores, não há razão para a manutenção da estatal nos novos consórcios, principalmente porque isso acaba diminuindo o dinamismo das decisões societárias a serem tomadas pelo acionista privado. Sequer a hipótese de uma golden share, que concede alguns poderes ao Governo nas privatizações, faz sentido, já tendo sido abandonada, por exemplo, nas privatizações europeias.
Outro ponto é com relação ao modelo de maior valor de outorga: se a intenção é manter esse critério de julgamento, uma boa sugestão é trazer maior flexibilidade para a “criatividade” empresarial a fim de o Governo obtenha melhores propostas dos licitantes, sobretudo na exploração de áreas de complexos aeroportuários (como construção de empreendimentos imobiliários, shopping centers, estacionamentos, etc.). Os contratos anteriores trazem regras que desestimulam essa criatividade, pela excessiva burocracia imposta ao concessionário.
Quanto ao setor de ferrovias, a proposta de desverticalização trouxe um maior debate entre operadores e usuários. Entretanto, os principais entraves para que as concessões saíssem do papel, tal como o projeto de Açailândia (MA) ao Porto de Vila do Conde (PA), foram a ausência de regras claras com relação ao modelo a ser adotado, bem como a necessidade de garantias robustas ao investidor. O modelo consistia basicamente na compra da capacidade operacional da ferrovia por outra estatal, a Valec, para que o operador não impedisse o livre acesso de terceiros. Isso trouxe um impasse, pois o uso de uma estatal com outras funções para fins garantidores não funciona no longo prazo, sobretudo em um eventual risco de calote governamental no decorrer do contrato.
O que se percebe dos aeroportos e ferrovias é que o modelo regulatório de envolvimento de estatais nas concessões não costuma ser visto com bons olhos pelos investidores.
Outra discussão regulatória (com certo cunho ideológico) que, inclusive, chegou ao TCU foi quanto ao modelo de exploração a ser adotado: com a redução substancial do risco de demanda, a legislação brasileira denomina esse tipo de exploração como “Parceria Público-Privada”. Para não chamar esse projeto de “PPP”, o Governo acabou criando um “ornitorrinco regulatório”: cauda, pata e focinho de PPP, mas denominação de concessão comum (que, pela lei, não tem auxílio público). O modelo, em si, é interessante — mas é fundamental dar o nome certo aos bois, sob pena de trazer insegurança jurídica aos investimentos. Fato é que essa discussão, que tem levado anos, parece que vai perder o sentido, já que, pelo anúncio, o Governo Federal pretende reformular totalmente o modelo regulatório, ao invés de aperfeiçoar essa proposta já em andamento.
Por fim, pretende-se mudar o modelo regulatório de menor tarifa por maior valor de outorga nas concessões de rodovias, abandonando o “fetiche pela menor tarifa” que havia nas últimas licitações, o que trouxe contratos com investimentos não muito claros e sem o almejado ganho na qualidade das rodovias federais. Prova disso é que, anualmente, a CNT divulga as 10 melhores rodovias do País, e raramente alguma rodovia federal figura nessa lista.
A pura adoção do modelo de maior valor de outorga não trará, automaticamente, melhores rodovias, além de ser um método um tanto quanto injusto para o usuário, que acaba arcando com esse custo adicional que é repassado ao pedágio de forma desproporcional. Uma sugestão poderia ser adotar uma combinação mista de menor tarifa com maior valor de outorga, não acarretando tarifas tão elevadas, mas permitindo ao Governo Federal arrecadar recursos para outras intervenções rodoviárias.
Ao menos no que concerne às discussões regulatórias, o saldo do PIL 1 para o PIL 2 é, portanto, positivo, desde que haja um reconhecimento de que modelos regulatórios discutíveis costumam atravancar investimentos e que merecem aperfeiçoamento. A privatização acaba funcionando como um processo de sedução da iniciativa privada por parte do Governo — e não é na imposição que se conquista a outra parte.
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